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Informativo | |
Rio, 06 de março de 2015 edição nº288 NEM BRANCO NEM AZUL… ERA PRETO MESMO! Por Marcos Lima, publicada em Histórias de Cegos, no site da URECE Até a hora do almoço, eu nunca tinha ouvido falar na polêmica de cores do tal vestido. E, a partir de então, eu só ouvi falar nisso. O Eduardo foi quem puxou o assunto, na mesa do simpático restaurante, um dos raros que hoje em dia consegue unir atendimento rápido, boa comida, preço acessível, comanda individual… Éramos seis pessoas, cinco delas emitindo opiniões cromáticas a respeito de cores que eu nem sei sequer se imagino como são. Até os 5 para os 6 anos, eu enxergava, pouco demais, é verdade, mas enxergava, o suficiente para me lembrar das canoplas dos microfones das emissoras de televisão: um entrevistado no meio e diversos microfones, exibindo os símbolos da Globo, TV Bandeirantes, Manchete, etc. Memória inútil, eu sei, mas o que se há de fazer? Contudo, isso tem uma explicação: é que eu, mesmo enxergando bem pouquinho, conseguia ver televisão. E televisão tem uma vantagem: quando se pode vê-la, se vê tudo o que está nela; não é como olhar por uma janela, em que minha pouca visão permitiria ver apenas alguns parcos centímetros a minha frente. Diante da tv, esses poucos centímetros já eram suficientes para eu ver tudo o que havia para ver. Não é à toa que as imagens televisivas representem boa parte dos fragmentos visuais de que eu consigo me recordar. Sim, a televisão foi minha verdadeira janela para o mundo, para o meu mundo de criança de 4 para 5 anos de idade, prestes a perder para sempre o resquício visual. Uma criança de 5 anos de pé, com os olhos bem colados na tela, tanto que minha família até dizia, “assim você vai acabar perdendo a vista”. Bem, a vista continua aqui, ela só não funciona mais; de certa forma, eles acertaram. A visão se foi, mas as cores ficaram; claro que, com o tempo, elas vão se desfazendo, mas eu acho que ainda tenho uma ideia de como é o azul, o amarelo, o branco, o verde e todas essas cores simples! Não me venham com salmon ou sei lá como se escreve isso, bege eu só sei porque o meu pai durante anos teve um Chevette bege do qual seria até ingrato não me lembrar. Recordo perfeitamente que quando era criança, todos os números e letras tinham uma cor diferente na minha mente, e hoje eu não consigo mais fazer essa correlação. É que com o tempo, tão lentamente que eu não sei precisar quando aconteceu, minha imaginação passou a não depender mais de cores ou referências visuais. Se assisto a um jogo de futebol entre, sei lá, Botafogo e Vasco, eu não fico imaginando os jogadores com seus cabelos de não sei qual penteado, com as camisas listradas e aquela faixa negra atravessada na camisa do Vasco… Engraçado que, pensando agora, me lembro exatamente de como era essa faixa e entendo quando a comparam a um cinto de segurança. imagino uns bonequinhos em formato de palito correndo e tocando a bola e fazendo as jogadas, como se fosse uma imaginação em 8 bits, quase um Elifoot, em que as palavras por vezes substituem os bonequinhos. Pela falta de uso, as imagens das cores foram se desvanecendo. E hoje são apenas curiosidades no canto mais empoeirado da minha memória de ex-vidente. Sei que é difícil para vocês conceberem isso, mas eu já não preciso mais das cores! O que não quer dizer que não tenha curiosidades para saber como são as coisas e as pessoas, mas vou construindo tudo com referenciais táteis, desconectando-me dos parâmetros visuais. Daí a importância da minha “coleção de fotos”*... Voltando a esta tarde quentíssima de sexta-feira, coincidiu de ficarmos sem rede por alguns minutos no escritório, quando todos aproveitaram para comparar suas impressões sobre o vestido! E eu ali, me sentindo como o mendigo que se senta a ouvir os que discutem se preferem mexilhão ou ostra ou como o botafoguense na sala de troféus do Real Madri. Para participar, até pensei em improvisar um ranking, mas daí começou a acontecer de pessoas que viam o azul daqui a pouco verem o branco e vice-versa. Esses videntes são doidos mesmo! Vêm, mas não enxergam! As pessoas acreditam que, por eu ser cego, eu enxergue preto. Respondo que não é preto o que eu enxergo. Algumas argumentam que é preto, mas que eu não sei que é preto porque eu não conheço o preto. E eu lhes digo: sei como é o preto e o que (não) enxergo não é preto e nem escuro. É nada. Se eu enxergasse preto, isso significaria que sou capaz de ver algo, preto que fosse. Mas não enxergo nada. Portanto, nem branco e nem azul, e na verdade nem preto. O título do texto foi só uma maneira de também tomar parte no assunto do dia; O vestido para mim não é de cor nenhuma e toda essa polêmica de ilusão de luminosidade só serviu para mais um texto no Histórias de Cego.
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Vestido que virou polêmica |
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